
Uma palavra falou o Pai, que era seu Filho, e está sempre falando em silêncio eterno; e em silêncio deve ser ouvida da alma. São João da Cruz, Chama de amor viva
Para definir contemplação o Catecismo cita Santa Teresa : “Outra coisa não é , a meu parecer , oração mental, senão tratar de amizade – estando muitas vezes tratando a sós – com Quem sabemos que nos ama”( Catecismo 2709) . Meditei sobre esta frase e três pontos me chamaram atenção :
- Tratar de amizade. Os amigos verdadeiros nos conhecem por inteiro. São os que mais conhecem nossas qualidades e nossos defeitos. Queremos contar para eles não só o que ocorreu, mas como nos sentimos sobre o que aconteceu. Abrimos nosso coração. Não tem como ter amizade sem ter confiança.
- Estando muitas vezes tratando a sós. A contemplação é graça. Muitas vezes nos sentimos sozinhos na oração. Nos perturbamos. Não conseguimos ficar sem sua presença. É como uma oração teimosa. Não deixar de buscar a Deus e confiar em seu amor. Pobres e Indigentes ficamos ao pé de Jesus e gritamos seu nome. Se ele não atende, repetimos mesmo que não sejamos capazes de vê-lo. (Mc 10,46 )
- Com Quem sabemos que nos ama. Não posso deixar de lembrar a figura do Matrimônio. Sinal da união de um Deus que nos ama infinitamente apesar de nossas limitações com um povo de amor inconstante. Nesta relação de amor , cheia de perdão e recomeço, entregamos toda a nossa certeza limitada.
Buscando no Dicionário de Santa Teresa de Frei Patrício Sciadini encontrei a definição de contemplação como “uma forma de oração superior a meditação e estruturalmente diversa desta. “. Aqui não é só o racional que reza. É uma relação entre vontade e passividade onde o homem todo é envolvido.
Frei Jesus Castellano Cervera descreve a imagem do Contemplativo em seu “Santa Teresa , Mestra da vida espiritual” pág 86 citando a doação completa ( Caminho 16,15) ; a comunhão da Contemplação e do serviço (Caminho 17) ; a vontade de servir por amor ( Caminho 18, 2 ) e exemplos de virtude ( Caminho 18, 7-8).
A contemplação é Dom de Deus , não é necessária à salvação, nem exigida de nós. Ninguém pense que prestará contas por não a ter recebido e nem por isto deixará de ser muito perfeita, se fizer o que ficou dito. Caminho 17,2
No amadurecimento de nosso carisma está a disposição a vontade de Deus. Devemos nos esforçar e fazer tudo que está a nosso alcance para a contemplação, porém humildemente entender que é uma escolha de Deus. A nós basta tentar agrada-lo reconhecendo seu reino e sua realeza. “O que temos que fazer é pedir como os pobres e necessitados diante de um grande e rico imperador, e logo abaixar os olhos e esperar com humildade” ( Castelo Interior 4,3 ).
Parte desta disposição está em calar. Longe de ser uma ação fácil requer um controle do homem todo. Silenciar a mente não é um ato simples de vontade. Como diz Teresa, “o mesmo cuidado que se põe em pensar em nada talvez desperte o pensamento a pensar muito.” (Castelo 4,3 pg 684 ). Pouco a pouco vamos reconhecendo este lugar “Se, porém, nos acostumarmos , esforçando-nos durante alguns dias, o proveito logo se manifesta. Quando começarmos a oração, os sentidos se recolhem espontaneamente, como abelhas voando à colmeia, para lavrar o mel. “ (Caminho 28,7). Enfim , “não é silêncio das faculdades , é encerramento das mesmas dentro da própria alma. ( Caminho 29,4 )
Segundo Santa Madre este caminho não está livre de sofrimento e de dificuldades ( Caminho 18,2 ). É na dificuldade que o amor mostra sua presença e dependência. Por vezes Deus se esconde somente para que na sua falta visível compreendamos mais seu amor.
Conforme Thomas Dubay em Fire Within, a evolução da comunhão com Deus não ocorre de forma isolada ao resto da vida. Todo um conjunto de comportamentos é transformado à medida que a oração se aprofunda. Desta forma a contemplação não é simplesmente uma piedosa ocupação na capela ou na solidão. Ocorre na vida.
Esta experiência da divina presença não envolve nada de extraordinário. É divinamente produzida . Não depende do homem. Não pode ser forçada. Este por sua vez pode buscá-la
E onde buscar a Deus. Teresa fala que ele está perto “Por baixinho que fale, está ele tão perto que sempre nos ouvirá. Para ir buscá-lo não precisa de asas: basta pôr-se em solidão e olhá-lo dentro de si mesma. “ (Caminho 28 pg 160). São João da Cruz descreve nos seus Cânticos Espirituais :
“O Verbo, Filho de Deus, juntamente com o Pai e o Espírito Santo , está essencial e presencialmente escondido no íntimo ser da alma. Para achá-lo, deve, portanto, sair de todas as coisas segundo a inclinação e vontade, e entrar em sumo recolhimento dentro de si mesma, considerando todas as coisas como se não existissem. … …Está Deus, pois , escondido na alma, e ai o há de buscar com amor o bom contemplativo, dizendo: onde é que te escondeste?” Canticos Espirituais 1,6
É uma relação entre duas pessoas . Uma presença mútua. Também não depende de ação humana , embora possamos nos preparar para este presente. Citando novamente São João da Cruz
“Como se levantará a ti o homem gerado e criado em baixezas, se tu não o levantares, Senhor, com a mão que tu criaste?”
É difícil descrever uma presença que não pode ser definida com palavras. “ Fique bem entendido o que deixei dito. Parece obscuro, mas quem o puser em prática o compreenderá facilmente. “ Caminho 28,8 pg 163.
O que importa para nós é que nos entreguemos com total determinação, dando-lhe plena liberdade para Ele possa pôr e tirar à vontade como propriedade sua. E sua Majestade tem todo o direito, não lhe neguemos o que exige de nós. Caminho 28, 12
3. COMO ENTENDO A VIVÊNCIA DA CONTEMPLAÇÃO.
Fico me perguntando o que seria contemplação na minha experiência de fé. Poderia dizer que seria a atenção em alguma coisa que está além de nossas palavras ou quando a nossa linguagem humana é incapaz de manter o diálogo com o infinito.
A Contemplação é muitas vezes incompreendida e tida como incompatível ao Cristão leigo envolvido em coisas do mundo. Ela é a oração do simples, do humilde, que sabe que nada tem , nada merece, mas não consegue deixar de perceber o amor do Pai. É uma conversa sem palavras onde o sentimento diz mais.
Contemplação é dom de Deus, é graça. De reconhecer Deus presente e atuante em nossa vida. De perceber seu amor.
Contemplação é diálogo, mesmo sem palavras. É entregar-se. É ficar como a Elias que faz silêncio aguardando o chamado.
Contemplação é paz. É como uma criança que ao chegar em sua casa fica tranquila sabendo que está protegida pelos seus pais.
Enfim, contemplar para mim é quando a presença basta.
Como exemplo da prática de contemplação podemos citar :
- Em um momento de exercício da oração de recolhimento. Um exercício onde se fecha os olhos buscando entrar no seu “Castelo Interior”. Inicie a oração pedindo o auxílio do Espírito Santo e termine com um Pai Nosso e três Ave Marias seguida da Jaculatória “Pela vossa imaculada Conceição, ó Maria, fazei puro meu corpo e santa minha alma!”. É também um exercício de desprendimento de suas capacidades. De entender-se incapaz de compreender pela inteligência e se limitar a estar próximo.
- Na leitura Orante da Palavra. Parta do Evangelho do dia. Em uma leitura lenta e repetida busque o que Deus quer dizer , o que quer dizer para você, o que quer mudar em sua vida e sua resposta a esta palavra de amor. Escreva em poucas linhas como para deixar concreto o que foi lido. Por fim contemple a Palavra de Deus em sua vida. Deixe que a presença da Palavra e o silêncio faça a transformação em sua vida.
- Em parar ao longo do dia e perceber a presença de Deus.Isto ocorre na lembrança da palavra do Evangelho do dia. No perceber a ação de Deus e nas oportunidades que lhe apresenta ao longo do dia para viver sua palavra. “Desejamos sempre retirar-nos ao mais íntimo de nós mesmos, ainda no meio das ocupações cotidianas. Embora dura um só instante , é de grande proveito a recordação daquele Senhor que me faz companhia dentro de mim mesma” Caminho 29, 5
Oração:
O Senhor recebe-me em Tuas mãos. Faça comigo o que quiser. Faça o que for de Teu agrado. Eu como Maria não entendo mas confio. Quero seguir o exemplo de sua Santa Mãe e me entregar como servo e ter Sua palavra como direção. ( Castelo 4,3 e Lc 1, 38 )
Bibliografia
- Leitura do Castelo Interior de Santa Teresa – Principalmente CI 4,3
- Leitura do Caminho de Perfeição 28-29
- Revisão da Escola Carmelitana sobre Oração
- Revisão do livro Santa Teresa – Mestra e Guia da Oração
- Trecho de terceiro abecedário Espiritual – Francisco de Osuna
- Artigo St. Teresa of Avila and Centering Prayer de Ernest E. Larkin – O.Carm
- Artigo The Carmelite Tradition and Centering Prayer de Ernest E. Larkin – O.Carm
- Caminho para união com Deus segundo São João da Cruz – Frei Maximiliano Herralz
- Quero ver a Deus – Frei Maria-Eugênio do Menino Jesus
- A união com Deus segundo São João da Cruz – Gabriel de Santa Maria Madalena
- Intimidade divina – Gabriel Santa Maria Madalena ( página 560 )
- Dicionário de Santa Teresa – Frei Patrício Sciadini ( em http://carmelodebenevides.blogspot.com/2018/04/a-contemplacao-segundo-santa-teresa-de.html )
- Santa Teresa de Jesus – Frei Jesus Castellano Cervera, OCD
- Fire Within: St. Teresa of Avila, St. John of the Cross, and the Gospel-On Prayer – Thomas Dubay
- Leitura da Palavra – Evangelho do dia e as leituras referenciadas
- São João da Cruz – Obras completas